Muito tem se falado sobre a relação da alimentação e o câncer. Convidamos a Tatiana Oliveira Isamu, nutricionista – especialista em nutrição clínica pela ASBRAN e mestre em Oncologia pelo A.C.Camargo Cancer Center, para explicar o assunto esclarecer algumas das principais dúvidas. Confira:
1. Qual a relação da alimentação com o desenvolvimento do câncer? É possível prevenir o câncer por meio de uma dieta alimentar, como seria essa dieta?
As evidências mostram que apenas uma pequena parcela dos casos de câncer é herdada. Os fatores ambientais e comportamentais são os mais importantes e podem ser modificados. Nos últimos anos, mudanças no padrão alimentar e no perfil nutricional dos brasileiros vêm apontando um cenário preocupante. O aumento no consumo de alimentos processados e ultraprocessados, frente aos alimentos frescos, às refeições e às preparações tradicionais, vem sendo acompanhado pelo aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade.
O processo pelo qual as células normais transformam-se em células cancerígenas invasivas e progridem para uma doença clinicamente significativa costuma durar muitos anos. O desenvolvimento de um câncer é o resultado de uma complexa interação envolvendo dieta, nutrição, atividade física e outros fatores ambientais e de estilo de vida, com fatores do hospedeiro, que estão relacionados tanto à herança genética quanto às experiências anteriores, possivelmente por meio de mudanças epigenéticas.
Uma dieta rica em alimentos de origem vegetal como frutas, legumes, verduras, cereais integrais, leguminosas, e pobre em alimentos ultraprocessados, como aqueles prontos para consumo ou prontos para aquecer e bebidas adoçadas, pode prevenir o câncer. A alimentação deve ser saborosa, respeitar a cultura local, proporcionar prazer e saúde e incluir alimentos regionais.
2. A obesidade e o excesso de gordura corporal são fatores que contribuem para o surgimento do câncer?
Manter um peso saudável ao longo da vida é uma das formas mais importantes de se proteger contra o câncer. Uma alimentação saudável favorece a manutenção do peso saudável.
Dieta, nutrição e atividade física podem influenciar o risco de câncer de diversas maneiras. Alguns alimentos e bebidas podem ser vetores de substâncias específicas que atuam como carcinogênicas. Por outro lado, a obesidade e os modos de vida sedentários podem não atuar por meio das vias específicas, em vez disso, podem alterar o ambiente metabólico sistêmico do organismo, de modo que originam microambientes celulares que conduzem ao desenvolvimento do câncer em vários locais.
Nutrição inadequada promove um microambiente nutricional desordenado nos níveis celular e molecular. Isso pode criar um ambiente propício ao acúmulo de danos no DNA e, portanto, ao desenvolvimento do câncer.
A obesidade está associada a mediadores inflamatórios e anormalidades metabólicas e endócrinas, que promovem o crescimento celular e exercem efeitos antiapoptóticos, ou seja, as células cancerígenas não se autodestroem mesmo após graves danos no DNA.
3. Quais alimentos são benéficos para o organismo e podem contribuir para a prevenção do câncer? E quais alimentos são prejudiciais e podem ser fator de risco?
É importante mudar o estilo de vida, e os estudos científicos que relacionam nutrição e câncer são complexos, custosos e muitas questões importantes permanecem sem resposta. Ainda não é claro como um único nutriente ou a combinação de vários nutrientes afetam o risco de desenvolver câncer. Os estudos epidemiológicos demostram que aquelas populações com dietas ricas em cereais integrais (arroz integral, trigo, aveia, cevada e centeio), frutas, vegetais e leguminosas (feijões, lentilha, ervilha, grão de bico) e baixo consumo de gordura, bebida alcoólica, carne vermelha e processada e calorias têm reduzido o risco de alguns tipos de câncer.
Comer bem significa ingerir uma variedade de alimentos que supram adequadamente o organismo com proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas, minerais e fibras, limitando o consumo de doces, frituras e bebidas alcoólicas. Uma dieta balanceada diminui o risco de doenças, entre elas o câncer.
O III Relatório de Especialistas do Fundo Mundial de Pesquisa em Câncer (WCRF, do inglês, World Cancer Research Fund) e do Instituto Americano para Pesquisa em Câncer (AICR, do inglês, American Institute for Cancer Research), publicado em 2018, especifica recomendações baseadas em evidências sólidas que, quando seguidas, espera se que reduzam a incidência de câncer na população. O relatório inclui 10 recomendações elaboradas por cientistas de renome mundial de como a população em geral pode prevenir o câncer:
1. Ter um peso saudável.
2. Ser fisicamente ativo
3. Consumir uma dieta rica em cereais integrais, legumes, verduras, frutas e leguminosas
4. Limitar o consumo de fast food e outros alimentos processados e ricos em gorduras, amidos ou açúcares
5. Limitar o consumo de carne vermelha e de carne processada
6. Limitar o consumo de bebidas açucaradas
7. Limitar o consumo de bebidas alcoólicas
8. Não usar suplementos para prevenção do câncer.
9. Para as mães: amamentar seu bebê, se puder
10. Após um diagnóstico de câncer: seguir essas recomendações, se puder
4. Qual o papel das fibras e dos alimentos antioxidantes? Quais são esses alimentos?
Alimentos ricos em fibras são importantes na prevenção de câncer, principalmente porque regulam o funcionamento do intestino, diminuindo o tempo de contato de substâncias que causam câncer com as paredes intestinais. Elas auxiliam de maneira eficiente na eliminação das fezes. A recomendação diária de fibras para um adulto saudável é de 25g a 30g.
Os antioxidantes estão nas frutas, verduras e legumes, eles formam um grupo de alimentos diversificados e complexos. Seu consumo fornece muitos micronutrientes, assim como uma variedade de fitoquímicos e antioxidantes, que não são nutrientes, mas podem ter bioatividade em humanos. Os fitoquímicos que demonstraram efeitos anticancerígenos em estudos com células e roedores incluem fibra dietética, carotenoides, ditioltionatos, isotiocianatos, flavonoides e fenóis. Frutas, vegetais e leguminosas também são uma fonte rica de vários nutrientes que podem afetar o risco de câncer, como vitaminas C e E, selênio e folato. Um corpo substancial de dados experimentais associa muitos desses compostos com efeitos antitumorigênicos em várias células em modelos animais e in vitro
Vale ressaltar sobre a importância de considerar como diferentes padrões de dieta e de atividade física se combinam para criar um estado metabólico que é mais ou menos favorável ao desenvolvimento do câncer (mais do que realçar os efeitos particulares de fatores dietéticos específicos bem como alimentos ou nutrientes isolados).
5. O açúcar é um vilão? Qual a sua relação com o câncer?
Em minha opinião não existe alimentos bons ou ruins, o que existe é consumo inadequado. Dentro de uma alimentação equilibrada, podemos sim consumir açúcar sem problemas. O que tem acontecido há alguns anos é uma mudança no padrão da alimentação brasileira. Apesar de morarmos num país com uma variedade de frutas, verduras e legumes, seu custo é caro para grande maioria da população. Apesar do arroz com feijão ser um alimento típico no Brasil, estamos consumindo menos esses alimentos. Nos últimos 40 anos, o consumo de feijão caiu 31% e de arroz 23% segundo dados do IBGE. Muitos acham que a combinação engorda.
Hoje consumimos mais ultraprocessados e como consequência produtos com mais açúcar, sal e gordura. Com relação ao câncer, gosto da posição do INCA que diz “O fato de o tumor também utilizar a glicose como fonte de energia não pode ser, portanto, justificativa para retirar os carboidratos da alimentação. Em vez de se preocupar em cortar os carboidratos é mais importante se preocupar em consumir esse nutriente vindo de alimentos frescos, como grãos, cereais, frutas e verduras. Evite os carboidratos presentes em alimentos ultraprocessados, como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes, macarrão instantâneo, mistura para bolos e barras de cereais”.
6. Qual a composição de um prato saudável?
Alimentar-se bem não significa comer muito, e sim, consumir alimentos que ofereçam os diversos nutrientes de que um organismo precisa para estar equilibrado. Um prato saudável é composto por 25% de proteínas (animal – carne de boi, frango, porco, peixe e ovos e vegetal - feijões, lentilha, soja, ervilha e grão de bico), 25% de carboidratos de preferência integral e 50% de vegetais crus e cozidos.
7. Qual o papel da condição nutricional do paciente para o tratamento do câncer? Como o nutricionista pode auxiliar o paciente nesse sentido?
A incidência de desnutrição em pacientes com câncer varia de 40 a 80% de acordo com a literatura, sendo mais incidente nos pacientes com tumores na região de cabeça e pescoço, pulmão, esôfago, estômago, cólon, reto, fígado e pâncreas, enquanto os pacientes com câncer de mama, leucemia, sarcoma e linfomas tem um baixo risco de perda de peso. A variação dessa prevalência ocorre primariamente pela localização do tumor, mas pode ser também devido a diferentes critérios utilizados para definir a desnutrição, como idade, tamanho do tumor, tipo histológico, presença de metástase, estado nutricional prévio e tratamento oncológico.
Os efeitos clínicos da desnutrição se manifestam por dificuldade de cicatrização, aumento do risco de infecção e toxicidade do tratamento, maior demanda de cuidados e custos hospitalares, diminuição da resposta ao tratamento, da qualidade de vida e sobrevida, quando comparados com pacientes com um adequado estado nutricional.
O acompanhamento nutricional é uma parte importante do tratamento contra o câncer e é responsável por assegurar uma adequada ingestão alimentar de acordo com as necessidades nutricionais do paciente. Ela é uma ferramenta importante para que o paciente possa ser submetido aos tratamentos de uma forma mais adequada.
8. Por fim, qual dica de alimentação pode nos dar?
O câncer pode afetar qualquer pessoa, mas algumas estão em maior risco do que outras. Mantenha-se ativo e faça dos alimentos de origem vegetal a base da sua alimentação. Gosto da frase “Descasque mais e desembale menos.” Faça o prato de forma bem colorida. As cores dos alimentos são indícios de suas propriedades e, por isso, pratos coloridos costumam ser sinônimo de oferta de substâncias e nutrientes diferentes. Quanto mais colorido mais saudável.